Luís de Freitas Branco, com 20 e poucos anos, lançou-se na exigente tarefa de compor uma extensa oratória para solos, coros, orquestra e orgão, baseada na história de São Frei Gil, como relatado em poema ficcionado no livro “Tentações de São Frei Gil” de António Correia de Oliveira, em 1907. Um livro de carácter simbolista, que inspirou o então jovem compositor português para uma obra musical com ímpeto impressionista.

Se tal obra foi finalizada por volta de 1912, é certo que nunca viu a luz do dia. Freitas Branco destruiu a partitura, apenas restando três andamentos orquestrais. Os três andamentos intitulam-se como Prelúdio – Tentação da Morte – Tentação da Vida.

João Bettencourt da Câmara descreveu fenomenalmente estes três andamentos:

“Uma grande homogeneidade semântica dá coesão ao conjunto. Para além das peripécias da vida de Gil Rodrigues, aventureiro, mago e santo, a Luís de Freitas Branco, como também a Eça de Queirós, parece ter impressionado no tema de uma certa dialéctica da vida e da morte explicitada pelos títulos dos dois trechos da obra: Tentação da Morte e Tentação da Vida. Domina todo o tríptico um ambiente carregado e lúgubre. de que el só se liberta nos últimos compassos da terceira parte.

O tema inicial do Prelúdio é constituído por acorde paralelos que movendo-se pesadamente na região grave da harmonia, nos introduzem imediatamente na atmosfera geral da composição. O oboé solo contrapõe expressiva melodia que flautas e o violino I repetem, por entre os compassos pizzicato dos demais instrumentos de cordas e da harpa. As madeiras, porém, retomam o sombrio tema anterior. Na passagem seguinte, os trémulos das cordas e os glissandi da harpa assumem declaradamente a lição de Debussy. (..) a 1ª ideia é relembrada pelas madeiras, antes do Prelúdio se extinguir na taciturnidade de contrabaixos e violoncelos, a que respondem, suavemente, na região aguda os violinos.

O trecho intermédio Tentação da Morte foi concebido só para as cordas que, por necessidade de uma harmonia muito densa, sofrem vários divisi. O avançar compassado do discurso musical parece confirmar a intenção do compositor de sugerir com esta passagem a a ideia de marcha fúnebre. O tema em acordes paralelos reaparece descendentemente nos violinos, primeiro, nas violas e violoncelos depois. A estrutura global deste trecho é tripartia, visto que a concluir são parcialmente repetidos os seus compassos iniciais.

O andamento final, Tentação da Vida, é o mais elaborado dos três. O solo de trompa que o abre e constitui a sua principal ideia musical, parece querer significar a firme determinação de superar o carácter negativo das passagens anteriores. Esta determinação é, todavia submersa de novo numa atmosfera carregada, com o aparecimento de um motivo diferente introduzido progressivamente por diverso instrumentos. Os quatros tons consecutivos do trítono dão a esta passagem um claro sabor impressionista (escala de tons inteiros), sem lhe retirar uma cor escura. (…)”